A prisão de se amar

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Haviam pedaços teus por todos os lados. E a multidão de rostos borrados que passava fingia não ver. Pisavam teu coração, tuas pernas, tua alma. Talvez muitos daqueles rostos que iam e vinham por todas as direções, já tivessem passado o mesmo que eu. Talvez fossem mais familiares do que pareciam.
Então um dia eu me tornei um desses rostos. Tornei-me mais uma mão estendida lhe puxando do chão. Tu, uma pobre miserável sem forças para implorar por ajuda, precisando de alguém que lhe cuidasse as feridas. Eu fui esse alguém.
Preenchi com amor todo o vazio que lhe havia. Doei-me por inteiro para que se recuperasse. Esgotei-me em madrugadas de carinhos e atenções.
Mas veja só, como o tempo transforma as coisas.

 Agora estas viva novamente. Teu peito não sangra e teus olhos brilham como os de uma criança. Já não precisa de minhas mãos. Sabes ficar em pé sozinha.
É como encontrar um pássaro ferido e cuida-lo até que se possa voar novamente. Ele lhe será grato, mas não ficará contigo para sempre.
Não sou médico, mas lhe cuidei a alma de maneira que um desses lhe faria. Mas cá estas, de asas abertas. Curada. Pronta para voar novamente.
Ingrata! Grita meu coração com ardor. Sem conseguir aceitar essas maldades que a vida apronta. Que dá e depois tira, nos deixando a lamentar a bobagem de sermos bons.
Então pode ir, eu lhe deixo partir. Não porque quero, ou porque me agrado. Somente porque não posso lhe engaiolar. Mas iras lembrar de mim todos os dias de tua vida, e em teus sonhos sobre teu passado doloroso, dentre aquelas faces borradas e vozes misturadas que lhe pisoteavam, meu rosto será o único do qual lembraras e minha voz será a única que ouviras.
E quando a reconhecer, a culpa fará tremer teu corpo, e me ouvirá dizer: Tu nuncas será inteiramente livre, porque há um pouco de mim em você inteira.